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Sobre uma visão antropológica

Alguns pensamentos têm insistido em minha mente. Tratam-se de colagens de provocações ouvidas aqui e ali, as quais me levam a refletir a cerca da visão antropológica atual. Minhas percepções são de que o ser humano tem um conceito extremamente positivo sobre si mesmo, caracterizado por uma autovisão heróica-hedonista, acho que até “nietzscheana”, no sentido em que cada um se vê como “super-homem” e se coloca como medida de todas as coisas. Para tais, seus valores são considerados tão transcendentais e incorruptíveis, que não deveriam ser submetidos a quaisquer questionamentos. Diz-se de si mesmo: “Eu e todos os meus anseios são bons”. Obviamente, trata-se de um ponto de vista genérico, contudo as consequências de tais pensamentos afetam a todos, incluindo aqueles que destoam destes padrões. Dentre estes, estão os seres humanos ordinários (comuns), passíveis de acertos e de erros e que, por conservarem a consciência de tais limitações, mantêm-se abertos a um diálogo proveitoso. Estes são constrangidos por aqueles que se consideram “príncipes na vida” (parafraseando Fernando Pessoa), ídolos de si mesmos. Pouco sabem que isso os desumanizam e lhes conferem fardos que não podem suportar. Nestas horas me recordo do trecho de O Peregrino onde ele descobre a alegria e o alívio de se vê sem o fardo, o qual rolou de suas costas ao encontrar a Cruz:

“(…) no exato momento em que Cristão se deparou com a Cruz, o fardo caiu de suas costas e começou a rolar, continuando até que alcançou a entrada do sepulcro; caiu lá dentro, e não mais o vi.” (O Peregrino – John Bunyan)

Desde o Éden o homem tem cedido à mesma tentação, a de querer “ser como Deus” (Gênesis 3). Ele é onipotente, onipresente e onisciente. Ele é quem sonda os corações e determina todos os nossos dias no seu Livro, antes de qualquer deles existir (Salmo 139.16). Ele rege a história e escreveu a última página! Nós não temos este conhecimento e portanto devemos nos submeter a sabedoria de Deus revelada em sua Palavra, para obtermos uma visão correta sobre quem nós somos. O pecado desumaniza o ser humano. Não somos “super-homens” ou “mulheres-maravilha”. Nós somos fracos, sentimos dor, sono, fome, frio, cansaço, temor, ira. Nós sorrimos e choramos, nos regozijamos com a comunhão, mas também buscamos solitude. Reconhecer nossas limitações é assumir que somos humanos.

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Poema em Linha Reta

de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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